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Encouraçado da liberdade

          Podia vê-los a minha volta. Minha tropa estava formada. Era possível escutar o som dos tambores... Aqueles malditos oficiais... Apenas trouxe um pouco de cachaça para bordo, foi quando um deles me denunciou e feri-o com uma navalha, recebi duzentas e cinquenta chibatadas...É tudo que eu, Marcelino Rodrigues Menezes, ganhei como troco.

          Meus irmãos marinheiros ficaram furiosos. Podia ver em seus olhos a indignação que há muito já sentiam. Esse acontecimento foi o estopim do que estava prestes a ocorrer.

          Eu me lembro da noite em que a lua brilhante fazia-se presente na Baía de Guanabara, meu grupo de marujos do encouraçado de Minas Gerais juntou-se.

          - É chegado o dia, minha amada tropa! Hoje, renderemos os oficiais enquanto dormem e.finalmente resgataremos o que nos tiraram. Mostraremos para todos que nós, marujos, somos iguais a todos os outros seres e, portanto mereçemos a liberdade! – Um bravo marinheiro replica enquanto olha seus irmãos com afinco.

          Foi nessa mesma noite que um pomposo navio francês surgia nas águas escuras da Baía. O comandante Batista Neves acabara de voltar de seu jantar e se dirigia para seu repouso na câmara. Os marinheiros sabiam que era o momento perfeito para o ataque.

          Tudo estava calmo no aposento de Neves. Dentro daquele humilde quadrado podia-se ouvir apenas o som melodioso e solene das águas batendo no encouraçado, porém, tudo estava prestes a mudar, pois um som de baioneta vindo de fora de sua câmara fez Batista Neves correr rapidamente para o convés.

          O comandante estava cercado, os marujos queriam-no fora do navio,

          - Seja na luta ou na morte, eu nunca abandonarei este navio! – Batista gritava.

          E segurando uma adaga na mão, Neves atacou um dos marujos. Os outros marinheiros do grupo ficaram furiosos e partiram para cima de Batista. O comandante sabia que estava à beira da morte, e o marujo que o feriu fatalmente na cabeça certamente sabia que aquele era apenas o início da batalha.

          O 2º tenente, Álvaro Alberto, antes ferido com uma baioneta, corria rapidamente. Ele precisava alertar o encouraçado de São Paulo ou poderia ser tarde demais.

          Na mesma noite, foi feita uma assembleia no navio de Minas Gerais.

          - Três de nossos irmãos e oficiais morreram. Precisamos de um líder, alguém capaz de liderar o encouraçado da liberdade. Alguém que não tema nossos inimigos e lute com força, perseverança e coragem até o nosso fim! - um dos marujos diz.

          - João Cândido Felisberto, você será nosso novo líder. – o líder da reunião replica seriamente.

          Ao sinal do canhão, o navio de Minas Gerais estava sob o controle dos marinheiros. No decorrer da noite, outros navios aderiram à revolta, e o líder João Cândido reuniu o grupo de marujos em quatro embarcações: Minas Gerais, São Paulo, Bahia e Deodoro.

         - Nesta manhã, no dia 23 de novembro de 1910, eu, como líder, mandarei um ultimato para o governo, por todos nós, irmãos, que merecemos a liberdade. Caso eles não aceitem, serei obrigado a usar os canhões. – João Cândido profetiza para os marinheiros.

Diante da negação das negociações, Cândido ordenou que sua esquadra se dirigisse para a barra, fora do alcance do fogo nas fortalezas da barra, porém a uma distância perfeita para atacar e destruir a cidade, caso fosse preciso.

           O deputado federal e capitão-de-mar-e-guerra, José Carlos de Carvalho, esteve na embarcação de São Paulo, onde lhe foi determinado que se dirigisse ao Minas Gerais para conversar com João Cândido, finalmente iniciando as negociações entre o governo e os revoltosos.

          - Eles têm uma grande força. Essa foi a impressão que tive deles. Aqueles marujos ainda possuíam um manifesto com exigências, sendo a principal o fim da chibata. Eles realmente acreditam que conseguiram tudo sem uma boa luta. Como estão enganados… – José Carlos falava para o congresso.

        Quatro dias depois do motim que ocorreu nos navios que não aderiram à revolta, o presidente Mal. Hermes da Fonseca declarou a abolição dos castigos e anistiou os revoltosos que se entregassem. Eles depuseram as armas e entregaram as embarcações. Porém, dois dias mais tarde foi criado um novo decreto que autorizava a expulsão da Marinha aqueles que fossem “inconvenientes à disciplina”.

A fraqueza do Governo e da Marinha em relação aos revoltosos era condenada em alguns jornais. Oficiais de alta patente profetizavam declarações no mesmo sentido. Os marujos sabiam que tudo o que haviam feito, em breve, seria em vão. Eles obedeciam as ordens com displicência, porém, percebiam a aversão dos oficiais.

      Nos dias 2 e 4 de dezembro, foram expulsos, presos e condenados diversos marinheiros, entre eles João José do Nascimento (assassino de Batista Neves). Todas as injustiças diante dos marinheiros só agravavam cada vez mais o retorno à normalidade. Porém, esse não era o fim de tantos sofrimentos. Algo de horrível assombrou o dia 9 de dezembro.

          Aconteceu em uma noite de lua cheia, quando os marinheiros estavam fatigados das ordens injustas dos oficiais. O navio cruzador do Rio Grande do Sul, um dos que não aderiram à revolta, navegava calmamente sobre as águas escuras do mar. Os marujos não esperavam o que estava prestes a acontecer, mas como ninguém controla, o determinado aconteceu.

          - Amarrem e coloquem a ferro este marujo! – um oficial irritado ordena a alguns homens.

          Três homens correm e seguram um marinheiro, arrastando-o para o convés e, logo depois, amarrando o pobre marujo. Em sequencia, os três homens armam-se e ficam displicentes nos passadiços. Todos envergam roupas de gala, exatamente como ocorria nas noites de chibatada.

        Os marinheiros ficam desesperados com o irmão amarrado e a evidente possibilidade da volta da chibata. Porém, nesse exato momento a luz de toda a embarcação apaga. Os marinheiros finalmente percebem uma chance de escapar, então sacam suas adagas e partem para a batalha.

          Um marujo chamado Alberto luta bravamente, diferente de muitos outros de sua tropa acredita que tudo poderá acabar um dia, porém, não sem uma batalha. Ele não teme o que poderá ocorrer com a sua vida, o verdadeiro problema para ele está no medo de arruinar todos os seus irmãos.

             Alberto finalmente enxerga uma brecha para um ataque fatal no meio de tanta confusão. Então, levantando sua arma corre na direção de um oficial e consegue atacá-lo fatalmente na barriga. O oficial ofegante cai no chão daquele tumultuoso navio.

Todos rapidamente se viram e olham. Os oficiais com olhares raivosos e os marujos com um ofuscante brilho nos olhos, carregando um pouco de esperança em seus corações.

          - Alberto atrás de você! – um marinheiro grita.

          Mas era tarde demais, Alberto havia caído no chão...

          O motim ocorrido se dissipou rapidamente assim como viera, carregando consigo a morte de um marinheiro e um oficial.

    Nesse mesmo dia, entre inúmeros boatos, um grupo de fuzileiros navais se amotinou na conhecida Ilha das Cobras. Foram bombardeados durante todo o dia seguinte. Os ataques continuaram mesmo após hastearem a bandeira branca. De trezentos revoltosos, pouco mais de cem conseguiram sobreviver e muitos foram detidos nas prisões da antiga Fortaleza de São José da Ilha das Cobras.

Com a acusação de incitar a revolta dos rebeldes, João Cândido foi preso e expulso da Marinha. Dezoito marujos detidos na Ilha das Cobras foram para a cela número cinco, construída em uma rocha viva. Dentro da cela foi jogado cal virgem em plena véspera de Natal.

Porém, esse não foi o fim. Após vinte e quatro horas, João Cândido e o soldado naval João Avelino conseguiram sobreviver.

          O líder Cândido acabou em um hospital de alienados, como louco indigente. Ele e mais nove de seus irmãos só seriam absolvidos dos julgamentos dois anos mais tarde.

Alguns dizem que esta história se tornou lenda, pois ainda ouvimos em diversos locais sobre um bravo marinheiro conhecido como ‘Almirante Negro’. Acredito que os verdadeiros enredos nunca morrem, por que ficam nos corações daqueles que os contaram e viveram.



Gabriela Pecsén

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