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Uma história que deu samba

          Todos os dias, Lúcio e Jorge, dois amigos, vagavam pela Barão de Tefé em direção ao trabalho numa loja próxima à Av. Rio Branco. Com o tempo de trabalho duro e conjunto, acabaram adquirindo esta afinidade. Dois negros, de porte físico parecido, bem corpulentos, como maioria daquela região. Pareciam descender daqueles negros que vieram desembarcados no Porto do Rio, para trabalhar na estiva. Sempre que os dois saíam de seu trabalho, paravam num bar para beber uma cerveja. Um contexto natural do cidadão carioca, seja ele oriundo do Centro da cidade, ou do subúrbio da Zona Norte.
Certo dia, ao voltar do trabalho, os dois amigos param no mesmo barzinho, e Lúcio retira o que parece ser um LP de sua grande bolsa:
          - Pô, cara... Do nada eu me lembrei disto aqui...
          - Do que, amigo?
          - Minha avó tinha me dado isso aqui há uns três anos... Sempre me esqueço de ir ali no Mário pra ele me transformar pra CD...
          - Mostra logo, rapaz...
          Lúcio apanha o LP, um pouco empoeirado, dá uma lustrada com a mão, e o mostra para seu amigo de trabalho e de vida:
       - Rapaz, isso é um original de “Pelo Telefone”, do Mauro e do Donga... Com o Bahiano cantando ainda! Isso não é maravilhoso?
          - Poxa!... Não tenho nem como te descrever, cara! É sensacional, como ela conseguiu uma raridade dessas, cumpadre?
         - Pô... Não lembro agora... Ela tinha conseguido com um conhecido que vendeu pra ela... Eu gosto da minha vozinha que ela tem um quê de colecionadora...
          No desenrolar da conversa, os dois voltam felizes para casa. Afinal, o carnaval se aproximava, e o Centro do Rio de Janeiro se enchia de confetes e serpentinas. Os blocos, cordões, ranchos... E as escolas de samba, ao passo em que não existia um “Sambódromo” específico. Os desfiles eram feitos numa rua larga, que era previamente fechada, a fim de evitar qualquer tumulto. E os grandes amigos, além de trabalharem juntos, tinham uma grande coincidência: desfilavam na mesma escola de samba, a Portela.
    Lúcio fazia parte da bateria, enquanto Jorge era parte da harmonia da escola, entretanto, os dois trabalhavam complementarmente. E o restante dos segmentos, cada um com seus devidos diretores de harmonia e evolução, vinham juntos para a concentração até o desfile se iniciar.
Um deles recebeu uma informação errada, e levou justamente o setor de trabalho de Lúcio e Jorge para um ponto ligeiramente distante da mesma Av. Rio Branco, na qual os dois trabalham como comerciantes. E o lugar, como era movimentado. A guarda municipal sempre interferia, a fim de evitar qualquer acidente. E a bateria partia, desenfreada, quando, de repente, foi parada por um guarda, que interveio assoprando um apito. Naquele momento, Jorge olhou para o diretor de bateria, e, ao mesmo tempo em que a bateria se atentou que estava em direção a um caminho errôneo, e com brilho nos olhos, chamou o amigo, integrante da bateria, num local junto à bateria:
         - Lúcio, você ouviu aquilo?
         - O quê, Jorge?
         - O apito do guarda!
         - Como assim?
         - Nós podemos usar na bateria! Damos para o mestre!
         - Poxa, ótima ideia!
        Por sorte, ou coincidência, ou algo inimaginável, Jorge tinha à mão um apito similar ao que ouviu, que sabe se por que, havia deixado num canto de seu bolso, jogado. Limpou-o com bastante cautela, afinal, ninguém queria enfermos diante de um desfile que poderia consagrar a escola como grande campeã daquele ano.
Desta maneira, nasce o meio em que o mestre ou diretor de bateria mais ajuda na marcação e na harmonia de seus ritmistas: o apito. E esta mesma história, mesmo que retratada ficcionalmente, daria origem, mais tarde, a um samba de quadra, não tão conhecido pelo grande público, composto por integrantes da ala de compositores portelense e gravada pelo grande intérprete Billy Blanco.



Raphael Acosta

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