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Metamorfose Forçada

          Um elo reluzente e chamativo entre presente e futuro se forma em meio a este clima de grandes transformações no Rio de Janeiro. Caminhões de obras carregados e tratores a todo vapor destruindo e reconstruindo, reformando e modificando, criando e recriando. De Santa Cruz à Ilha do Governador, de Barra de Guaratiba até Pavuna. As expectativas acerca da iminência dos dois maiores eventos esportivos da história da cidade geram uma onda de otimismo e um espírito de renovação entre os cariocas.
          Nesse conjunto de obras, operações, reformas, (re)construções e demolições,  fica nítida a semelhança com a grande reforma urbana administrada pelo prefeito Pereira Passos no começo do século. As motivações, a repercussão, o reflexo e a projeção de mudanças na vida da sociedade são, salvo as devidas proporções cronológicas, muito parecidas.
           Depois de conhecer, em Paris, a reforma urbana promovida pelo prefeito Haussmann, Pereira Passos motivou-se a tornar o Rio de Janeiro uma cidade com padrões de excelência estética europeia. Assim como a condição que motiva a operação Porto Maravilha, se baseava em transformar a cidade (capital da república à época) em um pólo residencial atrativo para ser exibido ao mundo. Trabalhar a estima do carioca e do brasileiro em geral, proporcionando condições igualitárias de vida urbana aos cidadãos das grandes polis da Europa, como Paris, Londres, Madri e Lisboa. Saneamento, habitação, transporte e estética foram aprimorados, sempre em prol dos ideais republicanos que afloravam à época. Temos ainda os reflexos arquitetônicos e estruturais desse amplo movimento, crucial na formulação da identidade carioca.
          Hoje, o que agita freneticamente as picaretas e os tratores ao redor da cidade rumo ao “progresso” é a projeção internacional que vai impulsionar meteoricamente a economia na Cidade Maravilhosa. Além das exigências funcionais por parte da FIFA (entidade responsável pela realização da Copa do Mundo) e do COI (Comitê Olímpico Internacional), que obrigam o Brasil a renovar todo o seu sistema de comércio, serviços e estrutura, fica ainda o egocentrismo megalomaníaco alimentado pelas lentes de todas as câmeras do mundo em direção aos solos tupiniquins.
De todos os setores que estão sofrendo essa metamorfose ao redor da próxima sede olímpica, um dos que prometem acarretar maior impacto social no cotidiano é a operação Porto Maravilha, anunciado como “um sonho que virou realidade”. Uma parceria da prefeitura com a iniciativa privada, que se comprometeu a tornar a Zona Portuária no centro do município em um pólo de atividades econômicas, de escritórios a hotéis, passando por diversas programações turísticas.
         Alguns habitantes da região enxergam a iniciativa com cautela, alegando certa carga de megalomania por parte dos executores. Há sempre uma dose de preocupação que acompanha essa espécie de interferência direta oriunda do governo. Detectando essa repercussão, os organizadores enfatizam que em momento algum a questão habitacional será ignorada. Uma cadeia gráfica de prioridades veiculada em nome da operação visa expor aos moradores que os resultados previstos tencionam intervir da forma mais vantajosa possível, tanto sob aspectos políticos quanto sociais. E a luta para fazer a população acreditar nisso e confiar nas promessas utópicas de prosperidade atinge níveis enfadonhos, que denigrem até mesmo parte do nível de credibilidade do projeto.
           A perspectiva agourenta de que uma bola de demolição possa atravessar sua casa sem nenhuma previsão não parece agradável. É uma ilustração hiperbólica e pitoresca, mas que elucida um pensamento recorrente. Pois é esse um dos receios que tomam conta dos residentes do entorno portuário. Morros inteiros terão de ser tomados e casas realocadas. Não há reconstrução sem passar por uma destruição. Mas o que será destruído, afinal? Não se sabe ainda. A ânsia facínora pela urbanização global chegou às pacatas vielas dos morros da Providência, da Conceição, da Gamboa e dos outros morros de história tão rica e relevante que permeiam os imensos canteiros de obras formados às margens do litoral por aonde outrora chegava a nobilíssima Família Real portuguesa.

            A política das autoridades municipais passa a impressão de estar governando “pra gringo ver”. O âmbito administrativo e a ordem pública não parecem ser tão importantes quanto a visibilidade internacional pela qual a cidade passará nos próximos quatro anos. Centenas de milhares de reportagens e matérias ao redor do mundo, sintonizadas em milhões de televisores nos 206 países. Toda a enfadonha cobertura cultural e social pela qual passaram as cidades de Johannesburgo (sede da final da Copa de 2010) e Londres (última sede olímpica) será multiplicada enfaticamente na capital fluminense, tendo em vista que mais do que nunca o equipamento tecnológico, as novas mídias e a capacidade de renovação do quadro profissional do ramo jornalístico / dramático estarão formando um arsenal de cobertura e divulgação estratosférico.

           As eleições para prefeito estão prestes a acontecer, abrindo oportunidade para um revezamento na cúpula administrativa encarregada por dar continuidade a essa metamorfose forçada em uma das zonas de história mais nobres no país. Estamos no aguardo de mais um potencial elefante branco entre uma das muitas obras que estão chacoalhando o Rio de Janeiro, numa cadeia de alterações de procedência e necessidade duvidosas.



Pedro H. G. França

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