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O fim não justifica os meios

          De certa forma, o projeto "Porto Maravilha" tem uma importância que eu não compartilho. Se eu fosse uma das, aproximadamente, cem mil pessoas que passam pela região portuária todos os dias, meu posicionamento talvez fosse diferente. Porém, quem vos escreve não é egoísta e também é apenas uma dentre os 6,4 milhões de habitantes cariocas possíveis que possam trafegar por esse trecho. Mas parando para raciocinar a fundo, pode-se perceber que, mesmo não afetando diretamente a uma parte da população, tudo está sendo realizado em proporções tão grandes e tão rápidas que sim, afetará o Rio de Janeiro em diversas áreas. Aparentemente para o mal.
          A economia está sendo balançada pela grande quantidade de capital investido nas derrubadas e construções que estão dando uma nova "cara" à zona portuária. Os locais que estão recebendo interferência visual pelo Porto Maravilha, além de importantes historicamente, são extensos em área. Portanto, quanto maior, mais caro. E não é um absurdo pensarmos que a quantidade de dinheiro gasto neste projeto é mais do que suficiente para o sustento de uma família durante vários anos. Estamos falando de, ao todo, R$ 3,5 bilhões de verba do FGTS (Fundo de Garantia do Tempo de Serviço) cedidas para o projeto.
          Uma das principais questões, em minha opinião, é que grande parte dos empregos ditos a serem gerados, serão, com certeza, temporários. A construção civil, que emprega muitas pessoas em nosso país, é um setor inconstante no quadro de empregados. Certamente durante as obras a distribuição de verba será um pouco mais justa, mas até quando? As previsões de término do projeto, em geral, são de até 2016. Está certo que acontecimentos como a Copa do Mundo e as Olimpíadas são um gancho para continuar crescendo o índice de emprego, mas por curto tempo. Há um plano de 'fuga' pós-eventos? O Rio de Janeiro está requisitado, pelo menos, até o fim das 'festas' e a quantidade de visitantes só aumenta. Para mim, este é o único motivo de um acordo que faça a cidade crescer financeiramente e arriscar na decadência após tão pouco tempo.
          A cidade maravilhosa está longe de honrar a alcunha que carrega, pois é um lugar caótico. Da mesma forma, afirmo que o projeto 'Porto Maravilha' vá mascarar a realidade. O verdadeiro porto está abarrotado de antigos cortiços, bordéis e tem comunidades carentes em seu perímetro. Assim acontece com a ideia de realocar a população da zona da Pequena África, situada no Morro da Conceição. Os idealizadores deste projeto contam com um padrão estético contemporâneo, desconsiderando que o ‘feio’ é a memória de grande parte da história da cidade. Teoricamente, são ditas paisagens que poluem a beleza do lugar, já que é nessa região que desembarcam os visitantes estrangeiros. Que primeira impressão isto causará aos turistas, caso deparem com a realidade do Rio de Janeiro? São nessas horas que vemos a falsidade nacionalista que estufa o peito e proclama: “Eu sou brasileiro, com muito orgulho, com muito amor”. Esse é o marketing urbano, interessante aos olhos do governo para atrair atenção na busca de crescimento geral.
          A desordem nas vias arteriais (com limite de 60 quilômetros por hora e capacidade de ligação entre bairros) também é um grande problema dentro das reformas. Obras viárias, como o já finalizado Viaduto Negrão de Lima, em Madureira, serão realizadas com a intenção de melhorar o fluxo do trânsito. Porém, construções colossais podem interferir negativamente no tráfego do Rio de Janeiro. A Perimetral é um belo exemplo, pois movimentará um trecho enorme em sua derrubada. Por ser tão extensa, levará um bom tempo para o desenvolvimento dos prédios comerciais; enquanto isso, os veículos terão de recorrer às rotas alternativas. O tempo do percurso até certos destinos poderá dobrar dependendo do horário. Neste período, as pessoas terão de dispor de um tempo maior que o já exigido para chegar ao local desejado.
          Por enquanto, o Rio de Janeiro não está preparado para receber tantos hóspedes. Por isso o projeto Porto Maravilha contará com a construção de novas hospedagens para atender à demanda estrangeira. Mesmo assim, o governo ainda conta com o apoio da população para comportar todas as pessoas que aportarem na cidade. Esta ideia foi parar até em comercial televisivo, no caso do Rio+20, onde o Estado contou com a hospitalidade carioca para receber estrangeiros em suas casas como uma atividade remunerada. A relação foi bem sucedida, mas a ‘leva’ para a Copa do Mundo e os Jogos Olímpicos, comparada a do Rio+20, será de proporções inimagináveis.
          Não posso discordar que os planejamentos arquitetônicos são futurísticos e que carregam expectativas de melhoria para a economia e para a cultura da cidade, mas enquanto estiverem em execução, a população sofrerá um grande impacto. Culturalmente, acredito que seja uma grande perda o palco de acontecimentos históricos como a Revolta da Vacina, a reurbanização de Pereira Passos etc. Não há necessidade de aplicar cultura contemporânea ou até mesmo antiga em um local onde a história é presente a cada esquina. Com isso, avalio os museus e novos pontos que estão por vir para acrescentar à tradição carioca como uma ideia a ser revista. Acredito que a melhoria viria apenas da revitalização da cultura já enraizada em cada região.
          É provável que o tráfego fique conturbado durante os eventos. O Estado terá de aplicar um planejamento para evitar possíveis transtornos em grande escala. Até o início dos eventos, os hotéis terão de estar prontos e estrategicamente posicionados para facilitar o acesso a qualquer lugar. Creio que tudo estará pronto, mas o fluxo nas ruas se transformará em um grande novelo de lã embaraçado.
          Reconheço todas as tentativas de transformar o Rio de Janeiro numa cidade melhor, mas esta segunda reforma urbanística tem sua base ideológica muito limitada ao período festivo e focada somente na zona portuária. Estamos cheios de problemas em todos os lugares, mas não surgem soluções sem interesses ou segundos desígnios. O exagero transformará o porto do Rio em mais uma construção bilionária desnecessária. Dessa forma, todos saem perdendo. O projeto Porto Maravilha é bem intencionado, mas de boas intenções o inferno está cheio.



Caroline de L. Rieger

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