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Vida noturna

       Desde antes de Cristo, as cidades se desenvolviam próximas dos rios mais caudalosos. As primeiras embarcações de pequeno porte foram feitas apenas para pescaria e pequenas travessias, chegando a outras cidades. Com o desenvolvimento do comércio além-mar e da navegação com rotas já mapeadas, os barcos foram transformando-se em navios e as cidades ribeirinhas crescendo em função de seus portos.
       Locais abertos ao livre comércio com as urbes amigas, os portos são um símbolo de convivência entre os povos, um ponto de partida e chegada, onde atracavam naus com seus navegantes famintos, com ânsia de diversão e boas noites de sono.
Para conseguir receber, hospedar e entreter todos os visitantes que ali chegavam, era necessária uma forte zona de comércio nas áreas portuárias. Com isso, desenvolveram-se, ao longo dos pontos de ancoragem, bares, hotéis, motéis, clubes noturnos com música e bordéis, para que os marinheiros se divertissem na cidade e quisessem voltar.
       O comércio interno se fortalecia com a visita dos marinheiros e a vida noturna nas zonas portuárias foi se desenvolvendo naturalmente, tornando-se algo imprescindível para       a economia local. A cultura enriquecia-se, pois era o ponto do choque. Os tripulantes sempre traziam novas histórias e novas músicas, novos costumes. As cidades portuárias tornaram-se as mais importantes em cada país, e a vida noturna do porto, uma atração turística.
       A troca da noite pelo dia tornou-se hábito de uma parte da população, que passou a ter a vida boêmia. Um estilo de vida caracterizado pela despreocupação com relação a bens materiais, a grandes projetos, às normas.  Tão importante que designou um movimento artístico e literário no século XIX, construído às margens do movimento romântico. Tal movimento artístico caracteriza-se pela busca de um ideal artístico e pela recusa da dominação burguesa e sua racionalidade, ambientado na sociedade industrial.
Junto à boemia não se esquecia da profissão mais antiga do mundo: a prostituição. Caminhavam lado a lado, as meretrizes constantemente acompanhavam os marinheiros e até mesmo os músicos aos bares, e muitas delas eram até mesmo fontes de inspiração para canções e pinturas.
      É comum, quando se inicia com dissertações sobre desenvolvimento de cidades antigas, achar que o foco do texto é, em geral, Egito, Grécia e Roma. E quando passamos para Idade Média, focar nosso pensamento no que sabemos sobre o desenvolvimento europeu. Visão essa que expus aqui, como um prefácio para o verdadeiro tema do artigo, até porque há fortíssimas ligações.
A vida noturna no Brasil transformou-se em um hábito também a partir do desenvolvimento da mesma na Zona Portuária e nunca mais foi a mesma. E as zonas portuárias se originaram a partir do desenvolvimento do mercantilismo europeu, que fez com que o Brasil fosse, por mais de 300 anos, colônia de Portugal.
     No porto do Rio de Janeiro, um dos mais importantes do Brasil desde o período colonial, não foi diferente. A vida noturna teve um papel de suma importância e fez a “cara do povo” que no Rio nascia. Por ser a capital do império, o porto do Rio recebia figuras ilustres de Portugal a todo o tempo, e com eles vinham marujos famintos.
Com esse tráfego “intenso” de pessoas, de “turistas”, o comércio local tinha de se desenvolver. E um dos mais importantes, e que venho destacar, era o estimulado pela boemia, pela prostituição, pela vida noturna. Esse comércio era o não desenvolvido pelo governo, não sistematizado pelo governo, nem ao menos sacramentado em suas leis, no entanto, aprovado por ele, pois se tornou carro chefe da cidade, um símbolo.
     “Aprovado pelo governo por muito tempo”, nessa frase entra a necessidade de inserir minha opinião? Será? É válida? Se realmente foi aprovada pela população e principalmente pelo governo é porque trazia vantagens. Vantagens para quem? Para o Rio de Janeiro trouxe fama internacional. Na Zona Portuária, foi montada a identidade visual do carioca, mas qual é essa identidade? A identidade do malandro, do boêmio? Ou a do otário, do proletário sem direitos?
        No caso do Rio de Janeiro, em especial, muitos dos tripulantes que chegavam por aqui se estabeleciam. O motivo? Fugiam das guerras europeias e procuravam oportunidades de emprego em um país que estava nascendo. Não foi uma atitude inteligente, a menos em casos extremos, como pela sobrevivência. Fora isso, era uma decisão sem visão de futuro. Chegavam aqui e iam viver nas periferias da cidade, em condições precárias. Periferias formadas por famílias de antigos soldados brasileiros, que foram às guerras territoriais com promessas governamentais de terra e boa vida. Para sobreviver, como reivindicação de direitos, construíam casas nas zonas periféricas das cidades que se formavam.
        Romantizada nos séculos XIX e XX, a boemia movimentou o Rio de Janeiro. Época em que ser vagabundo foi “glamourizado”. Para mim, uma concepção interessante. Gosto de imaginar a vida à noite. Seria mais serena e romântica. Em suma, era um bando de bêbados vagabundos, confraternizando e trocando experiências. E ainda assim, era belo. Essa era sua arte. Arte essa valorizada por mim.
Em meio a nuvens de fumaça de fumo e músicas em níveis ensurdecedores, encontrava-se inspiração para a arte. Era o cenário perfeito para exercer a criatividade. Era      a miséria, a ilusão, a alegria, a tristeza, a vaidade, tudo em apenas um local. Um cenário completo e maravilhoso em sua essência.
        A boemia “prosperou”, embora para o indivíduo, muitas vezes, era apenas afundar-se. Grandes artistas da música brasileira, da pintura e também grandes inventores eram boêmios consagrados. A nossa cultura foi fortemente enriquecida por esse “movimento”, e todo brasileiro deve se orgulhar de ter um pezinho na “malandragem”. Embora tenhamos que avaliar bem o conceito de malandragem antes de louvá-lo, pois pode ser usado contra o povo, como quando os políticos usufruem dela.
       A boemia sempre caminhou lado a lado com a prostituição que, como dizem, é a profissão mais antiga e forte do mundo. Vista por muitos como sendo apenas uma saída para quem não tem escolhas. Moças bonitas e pessoas que sabem curtir a vida, usufruindo dos prazeres carnais em um ambiente propício. Uma boa alternativa à vida sem graça e estacionária.
       A prostituição deve ser considerada uma profissão. Uma profissão correta, dentro dos direitos humanos e das leis trabalhistas. Se controlado pelo governo, desde sua criação, a prostituição faria com que o comércio noturno crescesse, atingindo o dia. Não há argumentos contra a legalização. Se o mais válido é que daria mais liberdade aos cafetões para que explorem suas “empregadas”, vale pensar que não é o mesmo que os patrões fazem com seus empregados em qualquer empresa?
        A vida noturna faz parte do cotidiano de qualquer lugar do mundo, e principalmente do Rio de Janeiro. Há milhares de famílias que vivem de comércios noturnos na cidade do Rio, famílias sem o apoio necessário do governo hipócrita, a ponto de não dar-lhes o básico e também retirar o pouco que possuem por estarem fora de suas leis. Inibidores de um desenvolvimento tão natural quanto a vida em si.



Tito Liberato

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