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Pequena África e Museu do Amanhã

         Como sabemos, o Brasil é, desde sempre, construído pelas ondas migratórias que são próprias das civilizações. Nosso patrimônio cultural é reconhecido mundialmente pela grande miscigenação, que permitiu, inclusive, que fossemos vistos por outras culturas como a referência para uma possível democracia racial. O Rio de Janeiro, nossa capital, até pouco mais da metade do século passado, exerceu uma importante influência nessa visão. Mistura é a palavra que melhor exprime a movimentação nas chegadas e partidas de variadas mercadorias, cargas e etnias em nossa Zona Portuária. Nessa região, produziu-se uma diversidade cultural que não cessou em se desdobrar, incorporando e contaminando a vida ao redor. Muitas tradições do período colonial permanecem também como história viva, contada através de gerações, constituindo uma riqueza cultural sem igual. Um grande exemplo disso é a chamada Pequena África, que fica entre o cais do porto, o bairro da Saúde, a Cidade Nova e a Praça Onze.
        Remanescente de quilombos, a Pequena África era habitada por escravos alforriados, e por causa dessa grande quantidade de negros vindo do interior da África, ficou conhecida por esse nome. Berço do samba, de grandes compositores e do carnaval, em 2011 foi celebrado seu centenário. Cem anos de cultura negra, afro-carioca. O alto índice de imigrantes - muitas vezes angolanos - que vem tentar a vida no Brasil sem perder os laços com os ritos e práticas religiosas, é um exemplo dessa singular vida cultural que encontramos no local, como também a religião kimbanguista, trazida por famílias de etnia bakongo vindas do norte da África.
         Além disso, a Pequena África é atualmente um sítio arqueológico, onde historiadores e arqueólogos vêm encontrando peças e materiais antes soterrados há séculos. Essas peças, muitas descobertas devido às obras que vêm sendo feitas na região, fazem parte do período colonial brasileiro, e nos trazem de volta a história de escravos alforriados cuja memória, em muito, tinha-se tentado apagar. Tais descobertas, que contam a história de nossas descendencias, nos conectam com o passado, compartilhando e interferindo na cultura e na vida local.
     Estimulado pelos grandes eventos que a cidade sediará nos próximos anos, o projeto Porto Maravilha pretende desenvolver a Zona Portuária a fim de proporcionar uma economia mais dinâmica ao melhorar aspectos de nossa logística. No entanto, com a revitalização do porto, a Pequena África tem presenciado grandes mudanças em sua paisagem. Dentre elas, podemos citar a demolição do elevado da perimetral, que segundo os idealizadores do projeto, será necessária para uma modernização do sistema viário e melhorias no trânsito da região. Dentro do cronograma de obras é previsto também a construção de túneis, como o Túnel Morro da Saúde e Túnel da Via Binária.
         Dentre todas essas obras, a construção do grandioso Museu do Amanhã é a mais aguardada. O projeto apresentado para o Museu do Amanhã é conhecido por ser um “projeto verde”, pautado pela sustentabilidade, em que serão utilizados recursos naturais e ideias de baixo impacto ambiental. Suas exposições levarão o visitante a uma viagem por um acervo inovador, totalmente high-tech, que pretende oferecer uma experiência inédita através do passado, presente e futuro. Sem dúvidas, se trata de um empreendimento milionário - e por estabelecer esse diálogo temporal - pode ser visto como o marco da revitalização do porto carioca.
         A relação que o Museu do Amanhã tem com a antiga comunidade da Pequena África vai além da questão geográfica, não só porque ambos se situam dentro do perímetro denominado como Zona Portuária, mas também pelo fato de serem pólos culturais bem distintos; um retratando a visão periférica da cidade, acompanhando uma linha temporal dentro de um contexto histórico; e outro voltado para as tecnologias do século XXI, como ferramentas de instrução para uma visão futurística do nosso planeta.
     Há, em algum momento nessa transição que a cidade está passando, um encontro do passado com o presente, do que é histórico com o que chamamos de modernidade. Sabemos que a população da Pequena África, de forma geral, tem um cuidado muito grande em preservar e mostrar às novas gerações a importância e a magnitude que a cultura africana exerce na nossa história, vida e cotidiano. Mesmo com essa articulação temporal, as comunidades e os projetos apresentados para as obras do porto, existem fortes descontentamentos por parte da massa que ali reside.
      O que não é noticiado são as demolições de construções históricas, praças, e, até mesmo, a “realocação” de famílias para outros bairros, a fim de que esse ponto da cidade seja mais valorizado e bem visto por quem entrará pelo porto do Rio de Janeiro. Isso em consequência, evidentemente, da vinda de turistas para eventos, como a Copa de 2014 e as Olimpíadas de 2016. Já é previsto uma grande especulação imobilíária para a região, em consequência dos grandes investimentos feitos por construtoras que ainda não sabem qual será o custo de construção na área.  Essa é uma oportunidade privilegiada de se fazer dinheiro, beneficiando somente os grandes empresários e o estado, sem se preocupar com as famílias de baixa renda que moram e subsidem naquele local.
          Tendo em vista que ambos os cenários são importantes para a construção histórica, artística, econômica e cultural, é justo que haja um diálogo entre essas ideias, de forma que o projeto possa, de fato, contemplar o encontro dessas diferentes culturas e temporalidades. Parece haver consenso de que a região, que, de fato, estava abandonada há muito tempo, poderá dar novos ares à nossa cidade. Por outro lado, mais uma vez parece que os interesses pautados pela agenda econômica se sobreporão às complexidades culturais. Esse é o momento no qual a população e a nossa política tendem a entrar em conflito. A política, visando sempre em lucrar, e o povo, melhorar suas condições de moradia e trabalho, constroem um abismo enorme entre esses dois objetivos. Mas existe um aspecto em comum: o desenvolvimento. A partir desse ponto, ambos podem vir a se beneficiar, encontrando um equilíbrio, desenvolvendo uma linha de execução estratégica e igualitária do projeto, que possa atender a todos os quesitos da pauta, tanto sobre a questão da preservação da identidade cultural do população que ali reside quanto nos objetivos políticos-econômicos do projeto Porto Maravilha.



Patrícia S. Teixeira

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